quarta-feira, agosto 16, 2006

“Assim que compreendi que havia Deus, soube que não poderia fazer outra coisa mais que viver para Ele.” (Charles de Foucault)

Aos 27 anos, começo a questionar-me mais seriamente sobre o que a Igreja realmente quer de mim. Felizmente, não tenho que mercar nem mendigar em lugar nenhum e junto de ninguém a minha felicidade em Deus: esta dependência dEle, esta intimidade com Ele é parte integrante e evidente de cada molécula de ar que respiro, de cada milímetro de chão que piso, de cada fracção de segundo que existo...

Contudo, o que é certo é que, após uma infância e adolescência caracterizadas pela procura incessante, achava agora já estar pois na posse de todos os instrumentos mentais e morais para discernir o que é verdadeiramente importante na minha vivência como Igreja.

Vejo porém que talvez seja a hora de admitir que, afinal, a aversão à luz está ainda bem mais presente do que poderia imaginar.

A Catequese, p/ ex., tem ainda muito de obrigação e muito pouco de vocação...

Por um lado, as crianças e adolescentes são ainda obrigados a 'ir' à catequese, a 'assistir' à Missa, a 'fazer' a Primeira Comunhão (e a segunda, terceira?)... Mais por tradição do que por convicção, os pais baptizam os filhos e as filhas numa fé que os próprios desconhecem... As crianças são matriculadas na catequese porque o propósito de dever e obrigação assim o determina. Um propósito que porventura nunca foi deveras evangelizado... Mais do que viver com(o) Jesus, o importante para a maioria dos pais é que a criança / adolescente cumpra os ritos, adquira os sacramentos e... missão cumprida! O resto é 'para os outros'...

No que toca aos Catequistas, Leigos, e todos aqueles que 'abraçam a missão', por vezes a tela não é muito diferente... a confusão entre Evangelho e moralismo está bem patente... por vezes bem demais até... Assiste-se a uma cultura de contentamento em se estar nas "boas simpatias do Sr. Padre", ao invés de se procurar ser coerente na fé que professamos e na vida que levamos.

Num caso e noutro, há notáveis excepções, sim. Conheço algumas... E estas não me levarão a mal se, mesmo correndo o risco de entrar em generalizações injustas, afirmar que o cenário, de uma forma global, acaba por ser este...

O desafio é pois grande... não há como o esconder... da mesma forma que não há porque o temer...

Como Catequista, sempre procurei estar consciente do longo e por vezes sinuoso caminho a percorrer... mas esta vontade de fazer parte da caminhada é superior a qualquer cansaço ou dificuldade de entendimento... esta canseira enche-me de satisfação e faz-me feliz realizá-la, porque a cada momento saboreio o prazer de me sentir amada incondicionalmente por Alguém Maior que eu.

O que não posso esconder é, por sua vez, o desencanto generalizado que me tem assombrado no que respeita a comportamentos que assisto, que me interpelam e magoam.

Atitudes defensivas de uma certa alergia à auto-crítica que presencio em quem deveria ser parceiro de caminhada, mas que, ao contrário do que seria de esperar, acaba por se revelar pouco ou nada entusiasta e animador.

Actos que pensava só persistirem em alguns dos prelados mais conservadores, confesso...

É pena (muita pena, mesmo), quando, em vez dum parceiro, encontramos um opositor, cujo despotismo e obstinação o impede de cooperar, a menos que seja o próprio a ditar as leis.

Verifico que "o Sr. Padre" ainda é uma instituição temida, que revela uma certa falta de capacidade em escutar com tranquilidade os pontos de vista alheios e que demonstra uma enorme dificuldade em reconhecer a razão dos outros.

Verifico que predomina ainda a ideia incorrecta de que a obediência faz silenciar as dúvidas e conduz às verdadeiras respostas.

Verifico que ainda não se prima por uma discussão leal e tolerante, sem necessidade de recorrer ao autismo e à agressividade.

Verifico uma certa dificuldade em se discutirem questões complexas com tranquilidade, distanciamento e profundidade, suprimindo quaisquer tentativas de condicionar as opiniões dos outros.

Verifico uma excessiva resistência em aceitar que, felizmente, Deus É O nosso único ou principal Juiz, e abaixo dEle só a consciência de cada qual... E que, doutra forma, tudo não passa da técnica do "bota-abaixo”.

E é com base nestes e outros preconceitos, que por vezes se faz uma leitura limitada e distorcida da realidade, utilizando-se generalizações um tanto ao quanto incongruentes.

Apesar de tudo, é possível chegar à fala, sim. E por mais que uma vez. Com afecto, respeito e firmeza. Olhos nos olhos. Mas depois 'volta tudo ao mesmo'. (A verdade é que a experiência de diálogo torna-se difícil, impraticável mesmo, e definitivamente estéril, quando há menos de dois interlocutores...).

Do que a vida me tem mostrado, achava eu que esta atitude era típica de pessoas que pensam não ser amadas por ninguém. De pessoas que renunciam ser seres humanos e insistem em ser 'mais um'. Francamente, e com todo o carinho e respeito, não me parece ser o caso... Mas, e então, será culpa do sistema?

É certo que uma mudança exige processos de crescimento e maturidade, de parte a parte... de quem acolhe e de quem é acolhido... Na 'mudança' de pároco, aliei a estes dois ingredientes mais alguns, como a paciência, a motivação, a disponibilidade, a tolerância…

Mas agora, passados dois anos, o esforço revela-se quase infrutífero...

Tudo porque...

... Um pouco menos de preconceito seria importante... o preconceito não nos deixa ver, ouvir e compreender correctamente o outro.

... Um pouco mais de adaptabilidade às circunstâncias, com firmeza, sim, mas também flexibilidade, seria pertinente.... conservando sempre a dignidade.

… Tudo porque se continua a viver e a reviver o velho "complexo de Sansão"...

É uma desilusão, uma emoção estranha, de repente nos apercebermos da nossa ingenuidade, quando alguém se sente afrontado com as nossas questões.

É deveras complicado quando há tendência para o enredo em fastidiosas discussões com o intuito de se mostrar, embora sem sucesso, quem manda.

É deveras precário quando se entra em ataques, sem que estes estejam devidamente fundamentados, sem que se demonstre um mínimo de seriedade e se acabe por debater pessoas, em vez de ideias ou obras…

É deveras ilícita a avaliação e selecção de recursos baseadas apenas e somente na (in)compatibilidade interpessoal.

É deveras condenável o accionar de mecanismos menos assertivos para distanciar quem não agrada ou é inoportuno, afastando-se a apresentação de quaisquer alegações ou fundamentos válidos.

Por questões educacionais, culturais ou outras, pode até ser inquietante, mas há-que enfrentar a realidade: 'ser' só não basta... é preciso 'estar', é preciso 'amar'.

Sempre fui apologista de que tentar agradar aos outros, por si só, não é necessariamente a melhor maneira de fomentar uma relação autêntica, seja ela de amizade, laboral, social, etc...

Peço constantemente desculpa por esta frontalidade, mas é assim que eu sou. É assim que eu penso...

Obviamente que andarmos por aí a desfrutar de fama de 'medonhos', 'temíveis'... não é caminho. A coerência tem que marcar presença, sempre...

Mas daí a assistir-se a uma cultura do medo, em vez de comunhão.... bolas!

É louvável a satisfação de servir a paróquia, mas é preciso ir mais longe e amá-la.

E francamente, esperava mais... muito mais...

Mais do que uma (con)vivência de dois anos que não cultivou o saber, a crítica e a auto-reflexão, mas antes encorajou a obediência e desencorajou a pergunta.

Mais do que uma (con)vivência onde o que hoje está muito bem, amanhã... está muito mal...

Quando as questões são feitas para crescer... e a mensagem não é devidamente compreendida... isso não é bom...

Quando as inquietações, colocadas em tempo e lugar precisos, procuram apenas partilhar a fé cristã.... e acabam por ser interpretadas como 'afronta' ou tratadas com desleixo... isso também não é nada bom...

Quando o modo de viver esta fé é feito com liberdade, audácia, criatividade e responsabilidade... mas não 'encaixa' no argumento (que impressiona, mas é fraco), da submissão e da obediência.......

A necessidade de espaço para pensar e a carência de tempo para meditar, acolhidas com desprezo... e desigualdade!

Bom, o que é certo é que cansa ser-se presenteada constantemente com estes e outros mimos...
(embora a tendência seja para se continuar a agir como se nada fosse...).

E quando as coisas estão prestes a chegar ao rubro, parece que o Evangelho de Jesus e a mensagem messiânica só atrapalham... e ficam na gaveta bem guardadinhos... para se dar lugar a uma convivência que de caridosa tem muito pouco...

Nunca o ditado "olhai o que eu digo e não o que eu faço" fez tanto sentido...

Caramba! Esta discrepância da mensagem cristã.... Esta condição em que o pároco se torna 'uma Igreja' difícil de compreender... :-(

Esta moralidade tão flexível…

O meu conceito de comunhão ('comum união'), obviamente desprovido de qualquer rigor teológico, prende-se a uma pluralidade de modos diferentes de ver, agir, sentir, numa mesma Igreja...

Uma Igreja que não afasta ou julga quem não pensa, não age ou não sente o mesmo que eu (Mt 7, 1-5).

Uma Igreja que, ao dar a conhecer a mensagem cristã, se esforça por incarnar a beleza da Boa Nova de Jesus.

Com todo o carinho, espero que um dia isso ainda aconteça....

Mas porque "Um homem só tem direito a olhar outro de cima, quando irá ajudá-lo a levantar-se" (Gabriel García Marquéz) a minha admiração por Jesus Cristo continua inabalável, apesar de tudo...

Felizmente....

Importante, importante, é esta certeza!

O conflito poderia arrastar, inevitavelmente, uma necessidade de afastamento, de desencanto, de desalento e desânimo totais... (Estaria em condições de enumerar uns cinco ou seis casos... )

Mas esta necessidade primária de O levar, de não guardar só para mim este Amor tão grande, é algo 'meu' que o meu 'eu' não controla...

Apesar de me notar cada vez menos tolerante com determinadas práticas que, em vez de edificantes, se revelam altamente coercivas, subsiste a certeza de que Jesus Cristo nada tem a ver com questões de mera conveniência.

Aliás, de coração, tenho a ténue esperança de que esta experiência pessoal negativa me fará crescer mais ainda (como Igreja).

Mal de nós se fizéssemos as nossas opções importantes condicionados por factos externos e não pelo contrário, estimulados pelas nossas necessidades profundas...

A fé que eu vivo é uma necessidade profunda... a divergência apenas um pequeno percalço.

As incoerências não me afastam, mas antes aproximam-me mais da Igreja que eu amo, que eu quero compreender mais, para melhor a aceitar e viver.

Esta Igreja onde um dia fui baptizada, e que me deu a conhecer Jesus.

Esse Jesus que Continua a Representar O Ideal de Vida pelo qual todos devemos continuar a lutar, crentes e não crentes. É que, como diz o M. (um amigo, ateu assumido) «o que é certo é que não só a existência histórica dO Homem Jesus, como o Valor da Mensagem que Trouxe, não podem ser postos em causa».

Esse Jesus que Atravessou toda a História e hoje Continua Presente na sala de Catequese, patente nos bate-papos no Messenger, infiltrado nas paredes do meu quarto, sentado no lugar ao lado no autocarro, acessível nas conversas de café... e que, contudo, apesar de perenemente Presente, parece que continua a "saber a tão pouco".... :-)

Por causa desta saudável indispensabilidade, é que acompanhar crianças e adolescentes no seu caminho de fé, dentro das minhas limitações mas atendendo a esta necessidade iminente de O anunciar, é um serviço que sempre vivi com muito amor e dedicação. É algo que é essencial: transmitir aos outros a minha alegria de acreditar em Jesus. Não importou nunca a distância, as (eventuais) dificuldades financeiras ou outras, as provocações ou desafios exteriores...

Esta alegria verdadeira de fazer brotar em mim, o mais possível, a imagem de Deus, supera quaisquer contrariedades ou obstáculos. Este querer incessante de levar o outro a uma paixão por Jesus....

É injusto (é maldade!) guardar só para mim esta certeza que me acompanha: Deus Ama-me, Ama-te, Ama-nos...!

Encontro na missão de Catequista a vontade interior de me abrir a todos, e dar, sem peso nem medida, testemunho da intimidade divina que experimento.

É por aqui que eu vou! Com alegria e entusiasmo! Não um entusiasmo superficial, mas pensado de modo sério, comprometido e constante.

Um entusiasmo mais maduro e coerente (mais gratuito até!) do que o ardor de há uns anos atrás, que a minha fé (de) adolescente compreendia agora e descompreendia daqui a nada...

Hoje não!

Hoje distingo a "" da "carência psicológica de querer acreditar", por si só.

Hoje consigo 'listar' o que me condiciona, o que me bloqueia na minha experiência de fé, e identificar as suas luzes e sombras.

Hoje a minha vida cristã não se resume só a uma soma de gestos, a um arquivo de fórmulas doutrinalmente decoradas.

Hoje reconheço-me mais dependente dEle! E não me contento apenas com as 'interpretações favoráveis' que são feitas de Jesus... mas procuro escutar atenta e seriamente as exegeses diversas que surgem daqui e dali….

Hoje não só acolhi a Mensagem, como esta passou a fazer parte de mim.

Hoje é conscientemente que tomo como certa a certeza de que Deus Caminha comigo...

E com Um 'Companheiro' assim, não posso olhar para o chão! Levanto a cabeça e olho para horizontes longínquos! É para lá que sou chamada! É para lá que todos somos chamados! O apelo é universal!

Hoje, como Isaías, estou mais apta para dizer: "Eis-me aqui" (Is 6, 8).

Não me envergonho e não tenho medo dos meus sentimentos... e muito menos das minhas certezas!

Não temo as questões que levanto, as interrogações que me assolam. São fonte de um crescimento que já não é primário, mas contínuo... e normal... (não devo estar enganada)... O meu receio sim é não crescer!

E é baseada neste crescimento interior que a minha experiência com Deus se caracteriza por uma vivência cada vez mais sólida, mais confirmada.

A minha experiência de vida é garantia mais que suficiente de que Deus Está continuamente Presente, é a expressão mais que satisfatória do Seu cuidado para comigo...

Uma experiência que me convida diariamente a dar passos mais profundos.

Por falar em profundidade, alguém me disse um dia (foi o R.) que «somente em águas profundas saberemos como nos tornarmos mergulhadores»... É bem verdade!

Quem me conhece, sabe que me entrego de corpo, alma e coração àquilo em que acredito: seja no trabalho, nas relações pessoais, no meu viver espiritual... Sem protagonismos acentuados ou manifestações exageradas... procuro continuamente a perfeição, até nas coisas mais insignificantes.

E porque saber renunciar hoje, significa conquistar amanhã, desde o final do ano de catequese, recolhi-me ao silêncio, e tenho procurado ouvir a voz do interior.

O "problema" é sério e complexo, não há como o negar. Subsistem obstáculos mentais e de relacionamento a superar. Mas os ouvidos estão livres, os olhos desimpedidos e o coração aberto...

Sei que tenho que procurar reflectir não sobre a pessoa em si, mas acerca dos comportamentos da pessoa... É uma regra básica das relações interpessoais saudáveis: não posso / não devo responsabilizar o outro pelo que ele é... Pelo que ele faz, sim....

É uma reflexão que exige tempo, coerência, maturidade...

Sinto pois que é tempo de recarregar as baterias espirituais... de parar... talvez de fazer uma pausa no meu ministério como Catequista na paróquia onde sempre o desenvolvi.

Desta paragem, não farei um tempo improdutivo, mas antes uma fonte de reflexão, de busca de novas formas de encontro com Deus, de redescoberta dos alicerces da minha vocação como Católica, como Cristã, como Catequista, como Pessoa...

Não ponho de forma alguma um ponto final à experiência que me tem marcado e feito crescer ao longo de mais de uma década: Ser Catequese!

Não desanimo de que as coisas possam vir a ser diferentes... Nem posso! A minha consciência / o meu coração sentem um especial prazer em diariamente, na minha oração, saborear os tempos de graça vividos com mais intensidade enquanto Catequista: as reflexões, as brincadeiras, as surpresas, as emoções, os despertares, as partilhas, as inquietações, a aprendizagem, a camaradagem, a caminhada... A minha memória continuará a unir-me à paróquia....

Não posso ignorar o laço subtil, mas muito forte, que me mantém agarrada...

Quando houver um pouco mais de assertividade e coerência cristãs, talvez volte...

Sei que a resolução é minha... Desatar o laço, ou dar o nó...

Não, não tomo nenhuma decisão para já, o tempo é para pensar, não para decidir...

Quanto aos momentos de 'desassossego', jamais desistirei de fazer perguntas... ouso viver com elas... No centro de todas está a convicção profunda de que, com Oração, Amor e Prudência, surgirão as verdadeiras respostas. É em Deus que coloco a minha segurança. É a Ele que confio a minha missão, os abatimentos que a assolam, os júbilos que a revestem...

A certeza mantém-se: tudo o que eu sou é clara participação de Deus, na pessoa de Jesus Cristo... E isto é forte demais para guardar só para mim!

"Ide e ensinai" (Mt 28, 19-20). - Não posso, jamais, ser um sujeito passivo deste mandato...!

"A fé ... toma consciência do amor. O AMOR é luz que brilha sempre num mundo cinzento (no fundo: única luz) e nos dá a coragem de viver e de agir." (n.º 39) – Deus Caritas Est - Carta Encíclica do Papa Bento XVI sobre o Amor Cristão

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