terça-feira, outubro 04, 2005

Uma questão de fé...

Há palavras e sensações vividas que as palavras jamais poderão expressar.

O que vivi este fim-de-semana foi um desses momentos, que guardarei como um tesouro muito especial, daqueles que quase não podemos repartir com ninguém.

De um breve internamento numa unidade de saúde para uma excisão de um nódulo que me andava a "incomodar", recolhi verdadeiros testemunhos de luta, de coragem e de determinação de quem nunca baixa os braços à vida.

Permitam-me partilhar parte do diálogo travado com uma das pacientes, a D. Alice, que jazia naquela cama há cerca de 3 semanas, "sem saber bem o que tinha, mas que não era nada de bom isso não era... ", dizia.

Percebendo o meu pouco à vontade naquelas andanças (ou melhor, o meu mais que visível medo), recordava-me que "a fé ajuda muito. Nunca devemos abandonar a Fé, pois a Fé é que nos salva", assegurava.

Pediu para me fazer uma pergunta... Disse que sim... "Bom, vai-me perguntar se eu tenho fé – pensei eu – pergunta óbvia dada a trajectória do diálogo"... Então, lá fui preparando a resposta.. "-Bom – continuei a pensar para comigo – claro que tenho fé... Creio, acredito, procuro viver nEle... logo, tenho fé! Ok, venha a pergunta que a resposta está pronta!"

Pronta para assumir a minha clara opção de fé, disse-lhe que sim, que claro que me podia fazer uma pergunta..

E a D. Alice sai-se com esta: "Sabe o que é a Fé, não sabe?"

Ai! Com esta é que eu não contava!

Disse-lhe qualquer coisa como "Ter fé é aceitar Jesus, é viver nEle, com Ele..."

A D. Alice olhou para mim com quase um ar de desprezo... e disse: "Isso não é a fé! Isso são palavras bonitas... A Fé não é só isso..."

Continuei: "Ter fé é não duvidar... é como uma prenda que nos é dada no Baptismo, a partir do momento em que começamos a fazer parte da família de Deus. Depois, ao longo da nossa vida de cristãos, temos que ir fazendo crescer essa fé, blablablabla...."

Bom, melhor seria estar calada :-)) ... A D. Alice perguntou-me se eu tinha acabado de saír da Catequese, que é onde "as crianças decoram essas coisas" !! Corei!!!

Tomei a liberdade de lhe perguntar então o que era para ela a "Fé".

Respondeu-me com a sua história de vida...

Começou por me contar que, no início da doença, procurou rezar mais intensamente... havia começado para esta mãe, esposa, avó, empregada fabril, colega, etc., uma outra vida, cheia de obstáculos que estava disposta a vencer.

Depois, não compreendia como isto lhe acontecera a ela, que até ia à Missa todos os Domingos, que dava esmola, que cumpria promessas.

Não desanimou. "Quem pensa em desistir, já desistiu antes de começar". E foi nesse momento que resolveu lutar.

Uma luta que não se ficou só pelas coisas que se vêem... Mas sobretudo por aquilo que se tem cá dentro...

Passou semanas em que procurou encontrar-se consigo e com Deus. Colocou "um" e "outro" e viu que afinal, poderia colocar "um" no "outro".

Reparou que quando fazia questão que Deus estivesse com ela, encontrava tranquilidade, paz de espírito, razão para existir e mais alguma força para enfrentar mais um dia. O que nem sempre é fácil nas circunstâncias em causa. Passou a chamar a estes os "momentos de Deus"...

Porém, nos momentos de revolta, insegurança, dor, para além destes serem maus, ela própria acabava por se sentir pior ainda! Passou a chamar a estes os "outros"...

Diz que foi nesta altura que começou a saber o que é a Fé... a Fé era PAZ, serenidade, bem-estar... porque os momentos de Deus eram PAZ, serenidade, bem-estar... E os "outros" não!...

Aliás, dizia mais: que entendia que tudo por quanto passou e estava a passar como uma missão de que foi encarregue.

Que dantes ainda tinha medo, mas só porque achava que não estava "fadada" para estas tarefas. Mas agora, que sabia que caminhava serena e pacificamente em direcção ao Pai, agradecia a Deus pelo que já havia cumprido.

Perguntei-lhe, num sussurro, se não tinha medo...

Resposta: "-Ah! Isso é para os "outros" "...

É difícil exprimir por palavras o que senti naquele momento...

Vi que à minha frente estava alguém que dificilmente se deixaria envolver numa guerra sem ganhar, de preferência, todas as batalhas.

Nesse momento, os meus olhos disseram aquilo que a boca já não permitiu...

Procurando disfarçar, trocámos olhares e foi no silêncio que demos continuidade ao nosso diálogo, agora em oração....

Lamento não conseguir exprimir com maior autenticidade o que significaram para mim estes momentos... É difícil explicar por palavras o turbilhão de sentimentos que a mensagem desta senhora me passou... Palavras bem mais simples do que aquelas que escrevo, mas bem mais robustas e agradáveis..

Como Catequista, foi mais um elixir no arranque deste novo Ano Catequético...

D. Alice, se um dia ainda vier a usar esta "modernice do computador", espero que veja aqui o meu "Muito Obrigada" pela inimaginável riqueza que me deu nas poucas horas que estive consigo.

De qualquer forma, como "prometido é devido", no próximo sábado agradeço-lhe pessoalmente...

Dizia Madre Teresa de Calcutá que "O fruto da oração é a fé; O fruto da fé é o amor; O fruto do amor é o serviço; O fruto do serviço é a paz".

Logo, raciocínio lógico aplicado, o fruto da fé é a paz... tem razão a D. Alice!...

Number of online users in last 3 minutes
Free Hit Counter