Histórias de fósforos, pensos rápidos e 2 poços
Olhei para o lado – e lá estava ela, menina, 11, 12 anos, não mais...
Não era a primeira vez q via o seu rosto redondo, corado, mas ela desta vez sorria para mim... Sorri para ela...
Perguntou-me se queria comprar pensos rápidos...
`É só 1 Euro`...
Dei-lhe a moeda e adicionei a barra de chocolate Kinder que havia comprado nem faziam cinco minutos...
Aparente e momentaneamente, ficou feliz.
Começou a chover e ela desapareceu... melhor assim... não queria que ela percebesse que os meus olhos tinham ficado repentinamente húmidos (seria da chuva?!).
Ontem, a noite estava fria, mesmo fria...
Aconchegada no meu pijama de flanela (aquele aos quadradinhos), vi-me (involuntaria e novamente) rodeada por aquele sorriso...
Onde estaria aquela menina a dormir?
Teria cobertores?
Os seus pais, onde estariam?
Será que eles a haviam abandonado?
É possível que os pais abandonem os filhos?
Sim, é possível!
João e Maria, abandonados sozinhos na floresta. Os pais deixaram-nos lá para serem devorados pelas feras. Diz a história q fizeram isso porque já não tinham mais comida para eles mesmos.
Será que haviam pensos rápidos na cesta que o Capuchinho Vermelho levava para a avó?
Será que a mãe do Capuchinho queria que ela fosse devorada pelo lobo?
Bom, essa é a única explicação para o facto de uma mãe mandar uma menina sozinha atravessar uma floresta onde era certo estar o lobo à espera.
Num dos contos de Andersen, uma menina vendia fósforos de noite na rua (se fosse aqui estaria num semáforo ou na praça de alimentação de algum centro comercial), enquanto a neve caía. Mas ninguém comprava. Ninguém precisava de fósforos.
Porque é que uma menina estaria a vender fósforos numa noite fria? Não deveria estar em casa, com os pais?
Talvez não tivesse pais.
Fico a pensar nas razões que teriam levado Andersen a escolher caixas de fósforos como a coisa que a menina estava a vender, sem que ninguém comprasse. Acho que é porque a caixa de fósforos simboliza calor. Dentro de uma caixa de fósforos estão, sob a forma de sonhos, 1 fogão aceso, 1 panela de sopa, 1 quarto aquecido...
Ao pedir que lhe comprassem fósforos numa noite fria, a menina pedia que lhe dessem 1 lar aquecido. Diz a história que de manhã a menina estava morta na neve, com a caixa de fósforos na mão.
Fria. Não encontrou um lar.
Um lar por exemplo como o da C., do grupo do 6º ano. A mãe da C. ainda ontem me ligou, preocupada porque a C. tem faltado à Catequese e às Aulas... ora partiu um braço, ora andou de canadianas mais de uma semana, ora acabou por apanhar uns vírus estranhos que a impedem de se levantar da cama... E o pai e a mãe da C. têm feito de tudo para que a C. recupere o mais rápido possível...
A mesma sorte não teve a Gata Borralheira, aquela da história, que depois acaba por ser princesa. O seu lar estava longe da madrasta e das irmãs: como uma gata, o borralho do fogão era o único lugar onde encontrava calor.

Mas como já disse, calor era coisa que ontem não estava...
`Dá-me uma moeda...`
O menino (sim, estava sujo, quase descalço e muito ranhoso, mas era um menino!) estava do lado de fora. O rosto encostado na porta, o braço esticado para dentro do espaço proibido pelo olhar permanente do segurança.
Tirei uma moeda da carteira e dirigi-me à máquina de bolos. Seleccionei um pacote de bolachas baunilha e dei-o.
Mas esse gesto não me tranquilizou. Quis saber um pouco mais sobre o menino.
Encostei-me também ao vidro da porta e perguntei: `Queres ajuda para abrir o pacote?`
Num ápice os seus dentes haviam respondido à minha pergunta...
Não, não precisava de ajuda...
`Como te chamas?`... `Samuel...`... `Tens um nome bem bonito, sabes?`...
Levantei a mão e afaguei-lhe os cabelos abundantemente sujos... O seu rosto corou...
Comeu a primeira bolacha... Perguntei-lhe porque não comia as outras... se não gostava.... disse-me q eram para a irmã... que andava a vender pensos rápidos...
Pensei na história da menina q vendia fósforos... há diferença entre vender fósforos e vender pensos?
Ainda ñ sei a resposta...
Só sei q por vezes achamos ter chegado ao fundo do poço (esse onde o lobo foi beber cheio de sede depois de ter comido o Capuchinho Vermelho e a avozinha, lembram-se?)...
Ou então, o poço de Samaria, onde Jesus Travou aquele diálogo maravilhoso com a mulher Samaritana, revelando-Se pela primeira vez como O Messias... (Jo 4)
A preferência do poço é nossa...
OU tudo parece ter chegado ao fim, tudo parece não ter mais sentido.... Um fundo onde reina a tristeza, a falta de força, a falta de esperança...
Bolas!...
A esperança daquelas crianças residia nuns simples pensos rápidos...
OU nos ‘sentamos’ calmamente com Jesus, na borda da Fonte, da Fonte de Água Viva... ao meio-dia (Jo 4,6b).... (Um aparte: ninguém vai buscar água ao meio-dia, no auge do calor... Um encontro intencional?!)
E deixamos que Ele nos diga que Tem Sede... (Jo 4,7b)
E deixamo-nos contagiar pelo Seu ‘atrevimento’ ... (Conversa com uma ‘Mulher’, e ainda por cima ‘Samaritana’?)...
E acabamos por ‘deslizar’ :-) e confiamos-Lhe o nosso comodismo (‘Dá-me dessa água, para eu não ter mais que a tirar do poço’ - Jo 4,15)...
E, depois de experimentado o prazer de saciar a sede directamente dEle, aí, sim, peguemos na nossa bilha de barro, e partamos apressadamente ao encontro dos outros, exteriorizando a alegria e o entusiasmo de O Conhecemos! (Jo 4,28-29)...
... É Quaresma... Mas não deixa de ser o momento oportuno de fazer Ressurreição...
-> Abrindo a n/ caixa de fósforos? ;-)
5 Comments:
Todo o Catequista tem um pouco de mulher Samaritana no an�ncio do Salvador!
Todo o Catequisra tem uma caixinha de f�sforos que se vai dando aos outros com luz e fulgor!
Bonito!
O encontro de Jesus com a samaritana é deveras uma passagem lindissima!
Boa semana!
Oi!
Muito bonito :)
Fantástico. Criatividade, ternura, sensibilidade e emoção. Bem haja.
Coragem
Após uma breve navegação em seu blog e fiquei entusiasmado com seus textos e testemunho como catequista. Estupendo!
Também sou catequista e farei uma visitinha em seu blog para enriquecer meus catequisandos.
Parabéns
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